No centro da história (São José era assim - Parte 1 de 25)


São José era assim

25 Reflexões sobre São José 
escitas por José, um Monge Trapista

Reflexão I
NO CENTRO DA HISTÓRIA


Não será pretensão colocar São José no centro da história do mundo? De fato, o que se sabe sobre ele? Para falar na linguagem do nosso tempo, deveríamos dizer que a sua ficha de dados pessoais não traz nenhuma informação interessante. Não se sabe nem o lugar, nem a data do seu nascimento. Ele não deixou nenhum escrito e nenhuma obra de arte. Não se conhece nenhuma palavra que ele tenha dito. Os autores clássicos e os historiadores daquele tempo não fazem alusão alguma à sua pessoa. Tudo o que se sabe está contido em alguns versículos dos Evangelhos, uma dúzia ao todo.
E no entanto, é preciso afirmar que São José está no centro de nossa história humana, e que ele desenvolve ali um papel de primeiro plano. Aparentemente, o que ele fez é bem pouca coisa comparado com os grandes dominadores dos povos e com os construtores de impérios. Não resta absolutamente nada que ele tenha feito: nem um móvel, nem um objeto, nem um edifício. Mas algo melhor: do ateliê desse artesão saiu aquele que construiu o universo, aquele que, dia após dia, forjou um mundo novo, Cristo Jesus.
O importante na vida de São José, não é o que ele realizou, mas o que Deus pode fazer através dele, com ele e para ele. As conseqüências duram ainda e durarão eternamente. O Senhor confiou a José a Virgem Maria, aquela que haveria de dar ao mundo o próprio Filho de Deus. Aceitando unir sua vida à de Maria nos esponsais, José entra no grande mistério do Verbo encarnado e de sua Igreja. De seu modesto lar, numa cidade sem história, num país sob ocupação estrangeira, saiu uma chama que não cessa de iluminar e de aquecer o universo.
Evidentemente, não é José o centro do mundo! Ele não é nem mesmo o centro de interesse de toda a história dos povos. Por outro lado, onde se encontra o centro de gravidade do nosso universo? Nosso planeta não passa de um grão de poeira dentro da galáxia. Quem poderia dizer o número das estrelas e dos planetas que gravitam na imensidão do céu? Ao lado dos infinitamente grandes ou dos infinitamente pequenos, deparamos com aquilo que é sem limites perceptíveis. É preciso elevar-se até Deus. É Ele que é o centro de tudo, a causa e o fim de tudo.
Mas Deus é amor. O centro real do nosso universo é o amor. Nosso centro se encontra no coração de Deus, e é seu Filho, Jesus Cristo. São Paulo nos afirma: “Ele é a imagem visível do Deus invisível, o primogênito de toda criatura. É nele e para ele que tudo foi criado nos céus e na terra, as coisas visíveis e as invisíveis... Tudo foi criado para ele e por ele; ele existe antes de todas as coisas e tudo subsiste nele. Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja, fonte da vida e primogênito dentre os mortos” (Col 1,15-19).
Já que tudo foi criado pelo Cristo, é ele, com toda razão, a pedra angular do cosmos; é ele o ponto central sobre o qual tudo o mais repousa e para o qual tudo converge: o passado, o presente e o porvir. A vinda do Filho de Deus à terra é verdadeiramente o fato capital da história; dela, ele é o ponto de partida e o ponto de chegada. A explicação é dada por São João: “Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único” (Jo 3,16). Para realizar esse grande desígnio de amor, Deus quis se servir de Maria e José, não como simples figurantes, mas como testemunhas conscientes e ao mesmo tempo atores responsáveis e livres.
Pode-se, então, afirmar que Maria e José encontram-se, com certeza, cada um à sua maneira, no centro da história da salvação. Ambos estão inseparavelmente associados à vinda do Filho de Deus entre nós. Essa vinda de Deus entre nós é o grande acontecimento dos séculos: tudo aquilo que precede, prepara essa vinda; tudo aquilo que se segue e seguirá, é por ela iluminado. Jesus dirá: “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8,12). José e Maria são os seres que mais se aproximaram dessa luz. Eles estão tão próximos dela, que corremos o risco de nem percebê-los, de tão viva que é a luz.
Por que escolheu Deus o nosso planeta para aí situar o ser humano que ele criara livremente à sua imagem e semelhança? É o segredo de seu amor! Ele tinha em vista um desígnio mais maravilhoso ainda: dar seu próprio Filho, eterno e infinito como ele, para ser o chefe e a cabeça de uma humanidade renovada. Esse desígnio, ele o preparou longamente: escolheu um povo, uma terra, uma família, uma data e, quando chegou a hora, ele realizou magnificamente aquilo que  tinha preparado.
O Evangelho nos conta em poucas palavras esse grande evento: “O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com José, descendente de Davi, e a virgem chamava-se Maria” (Lc 1,26). O Espírito Santo interveio “e o Verbo fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). A moradia do Verbo de Deus é Maria, esposa de José. Ela é a “mulher vestida de sol” (Ap 12,1). Ela reveste com sua carne a luz incriada e por isso torna-se luminosa.
Trazendo em si o Filho de Deus, Maria se torna o centro de interesse do mundo inteiro. Deus se inclina sobre aquela de quem depende o desenvolvimento harmonioso do corpo do seu Ungido. Que grande responsabilidade não tinha a Virgem diante de Deus e diante do mundo inteiro! Numa festa de Pentecostes, São Bernardo explica a seus monges que o seio de Maria tornou-se “o centro do mundo”. E explica: “Aqueles que estão nos céus e aqueles que estão nos abismos, nós mesmos, nossos predecessores e nossos sucessores, todos voltamos nossos olhos para Maria como para o centro, como para a arca de Deus, como para a razão de ser das coisas, como para o acontecimento dos séculos... Mãe de Deus, soberana do mundo, rainha dos céus, ... é para ti que se voltam os olhos de toda a criação, porque é em ti, é por ti, é de ti, que o Onipotente com mão delicada recriou tudo quanto havia criado” (Pent. 2,4).
A Virgem Maria não é o centro do mundo, senão em função daquilo que Deus fez nela e por ela. E ela interessa-se por nós por causa de sua cooperação no mistério do Verbo encarnado e de sua Igreja. O mesmo ocorre com São José. Sua história não teria nada a ver conosco, se ele não estivesse indissoluvelmente ligado a Maria e a Jesus. O que Deus uniu, não sejamos nós a separar. Deus não deixou José à margem do mistério, mas fê-lo penetrar no interior. Esta participação no mistério do Verbo encarnado coloca São José, como a Virgem Maria, no centro da história do mundo.
É perscrutando o Evangelho que nós podemos descobrir a verdadeira fisionomia de José. Não basta um olhar superficial. Arriscaríamos não ver em São José mais do que um personagem de segundo ou terceiro plano. Ele estaria ali para guardar as conveniências, para as necessidades materiais ou para completar o decoro. Um estudo sério do Evangelho é necessário, mas insuficiente. A sagacidade e o bom senso jamais poderão faltar, contudo, o Evangelho não é um texto que basta analisar cientificamente, é palavra viva destinada a nos esclarecer e a nos alimentar hoje. É preciso ajuntar à leitura e à reflexão, também a oração e a docilidade do espírito e do coração. É necessário pôr-se à escuta da palavra divina, por uma leitura orante.
Que nos diz o Evangelho a respeito de São José? Materialmente, poucas coisas; espiritualmente, maravilhas! É por ele que começa o Evangelho, porque é ele o herdeiro das promessas que Deus fez durante séculos a respeito do Messias que desejava enviar. É ele que, como herdeiro de Davi, transmite ao Cristo a herança prometida a Davi e à sua descendência para sempre. Ele é testemunha e garantia de realização de todas essas promessas.
São Mateus, o primeiro dos evangelistas, começa seu relato com as palavras: “Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1,1). Ora esta genealogia que parte do grande patriarca Abraão, termina em José! Depois dele, o Evangelista não menciona mais nenhum filho de Davi. Tudo está realizado pelo Cristo, filho de Maria, esposa de José. O longo elenco dos patriarcas parece enfadonho com a repetição do verbo “gerou”, isto é, “teve como filho”, que aparece 39 vezes: “Abraão gerou Isaac, Isaac gerou Jacó” etc.
Com São José, muda tudo. A fórmula estereotipada cessa para não mais voltar; outra a substitui e não será mais repetida porque basta a si mesma: “José, o esposo de Maria da qual nasceu Jesus, que é chamado o Cristo” (Mt 1,16). Essa pequena frase é de importância capital; ela coloca em plena luz a pessoa de José, bem como sua missão. Ele é o filho de Davi; ele é o último da série; depois dele há somente mais um filho de Davi, o filho por excelência: Jesus Cristo. Maria, por seu casamento com José, dá ao filho que ela concebeu do Espírito Santo uma ascendência davídica. Assim, todas as profecias se cumprem. 
Passamos com muita pressa por essa primeira página do Evangelho segundo São Mateus. Ela tem uma importância muito grande para se entender o lugar que Deus reservou a José dentro do mistério de nossa renovação. As primeiras palavras são desconcertantes: “Genealogia de Jesus Cristo”! O Filho de Deus aceita ter uma genealogia humana e essa genealogia é a de São José. Pode alguém ser mais unido a uma pessoa do que tendo a mesma genealogia que ela? São Mateus poderia ter escrito “genealogia de José, filho de Davi” tão bem como escreveu “genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi”.
Essa situação de José é única no gênero. O próprio Altíssimo nos confirma, pois o Evangelho foi inspirado por ele, que a ascendência humana do Verbo encarnado é a mesma de José. Esta identidade, e não simples semelhança, faz São José penetrar no mais íntimo do mistério da encarnação e da redenção. Esta genealogia que resume aquilo que chamamos de “história sagrada”, não contém somente personagens dignos de elogios. Nada disso! Aquele que veio para tirar todo pecado e os pecados de todos, quis ter pecadores e pecadoras entre os seus ancestrais.
Essa história é sagrada na medida em que ela é o anúncio da chegada em nosso mundo da santidade em pessoa, o Cristo Jesus. Essa história é única; ela é constituída de intervenções divinas, promessas magníficas e severas ameaças. A finalidade era guardar o povo de Deus na sua verdadeira vocação: preparar a vinda do Filho de Deus. A aliança divina fora sancionada com Abraão, e depois mais particularmente com Davi: “Eu fiz um juramento a Davi: vou confirmar para sempre a tua raça” (Sl 88,4).
Os fatos não tardaram a desmentir essa promessa. Tão logo morreu Salomão, sucessor imediato de Davi, o país se dividiu, na iminência de ser invadido sucessivamente pelos Assírios, Caldeus, Persas, Gregos, e enfim Romanos. Salvo algumas exceções, a família de Davi não teve mais nenhuma grande figura. Nenhum de seus descendentes é mencionado no ardor patriótico e religioso do tempo dos Macabeus. Quando o tempo se cumpre, a família de Davi é ignorada. Nenhum de seus membros tem influência religiosa, política ou social. A judéia tem um rei, Herodes, mas ele não é descendente de Davi, ele não é nem mesmo judeu. Parece que tudo não passou de belas promessas feitas a Davi!... É então que tudo começa.
O Senhor preparou uma tenda a fim de poder vir habitar entre  nós. Ele vem no silêncio e na obscuridade, sem incomodar ninguém. Ele pede a hospitalidade de um seio virginal e o aconchego de dois corações que se amam. A filha de Israel dá à luz o Filho de Deus. José, o herdeiro de Davi, acolhe em sua casa o Filho e a mãe.